Saúde
"O desafio agora não é mais a radiografia do sistema. A teoria está posta. A tarefa agora é fazer acontecer", afirma Michael Porter
Em 2004, quando publicou, com Elizabeth Teisberg, um artigo sobre competição no sistema de saúde, Michael Porter achou que não voltaria mais ao assunto. "Estava pessimista. Parecia impossível promover as mudanças necessárias." Felizmente ele estava errado: nesses três anos, não apenas aprofundou o estudo da saúde como entrou em contato com experiências bem-sucedidas de reestruturação no setor. E foi para falar sobre sua visão estratégica de saúde que Porter abriu uma brecha em sua concorrida agenda e nos concedeu a seguinte entrevista exclusiva.
Se, como o senhor afirma, saúde de qualidade custa menos, não haverá, a longo prazo, menos dinheiro no sistema?Não devemos assumir que o dinheiro é fixo ou diminuirá. O Brasil, por exemplo, ainda gasta pouco em saúde comparado com outros países. E está se tornando mais rico, o padrão de vida das pessoas vem aumentando. É provável que o país venha a gastar mais com saúde. E talvez devesse, pois há muitos brasileiros que não têm acesso a bons cuidados. Acho natural que, à medida que uma sociedade enriquece, gaste mais com saúde.
O senhor tem estudado a saúde em diferentes países. O que aprendeu com essa experiência? Existe um modelo único de sucesso?
Eu acho que é um pouco como a Teoria das Cinco Forças (modelo competitivo criado por Porter em 1979). Não há um único modelo, que se possa dizer: aplique-o a todos os países. O que vemos é que há alguns princípios. Existem princípios sobre o sistema de seguros, sobre como definir cobertura, sobre como fornecedores devem estruturar suas operações, princípios sobre planos de saúde. Toda situação será sempre um pouco diferente, mas passei a acreditar que existem princípios de valor que são universais. Eles se aplicam à Suécia, à Suíça...
Mesmo para sistemas públicos?
Sim. Acreditamos que o fato de o sistema ser privado ou governamental não é importante. Trata-se de algo quase secundário. O que importa é como o cuidado à saúde é organizado, a natureza dos reembolsos, a habilidade de integrar o tratamento ao longo do ciclo. Descobrimos que há surpreendentemente pequenas diferenças entre público e privado, nesse campo. Então nosso foco recaiu nos princípios que alinham a entrega da saúde com valor.
E, quanto ao pagamento dos profissionais e das empresas da área de saúde, faz diferença o sistema ser público, privado ou misto?
No Japão, os seguros são privados, alguns dos hospitais são públicos e outros são privados. Na Holanda, muitas partes do sistema são particulares, mas os seguros são públicos. Existe todo tipo de mix. Não é tanto o caso de quem paga quem, mas como se paga. Falamos muito sobre o modelo de pagamento por serviço, que não funciona.
Explique melhor, por favor.
Não importa se você é o governo brasileiro pagando a taxa por serviço ao SUS, ou se é o Medicare dos Estados Unidos pagando uma taxa por serviço a um hospital particular. É o modelo de pagamento por serviço que está equivocado, não quem paga. Nós acreditamos que os princípios que organizam a saúde se aplicam a todo tipo de sistema, não importa quem seja seu dono. O desafio é partir de onde se está hoje para as modificações. Os desafios de implementação no Reino Unido, onde a maior parte do sistema é operada pelo governo, são distintos dos de Taiwan, por exemplo, onde muitos dos hospitais são privados.
O senhor poderia resumir esses desafios?
O desafio agora não é a radiografia do sistema. O desafio real é a implementação. Como você de fato mede resultados, coleta dados, verifica e publica essas informações, como ajusta o risco... Acho que são questões organizacionais, técnicas e médicas. Tenho um colega em Harvard - Jim Kim, um reconhecido líder em saúde global - que diz que precisamos criar uma nova ciência, a ciência da "entrega". Existe a ciência médica, mas precisa existir a ciência da entrega. Não sei se devemos chamá-la assim, mas acredito que ele está certo. Acho que a ciência médica evoluiu muito mais do que as organizações, em termos estratégicos. Acho que uma reestruturação é necessária.
E o que pode ser feito nesse sentido?
Agora a tarefa não é a teoria, pois a teoria está posta. A tarefa agora é fazer acontecer. Vou dar um curso em janeiro, em Harvard, sobre a entrega de valor em saúde, com dez bem-sucedidos estudos de caso. Daí entenderemos melhor como as coisas funcionam.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário